4 de mar. de 2007

Redução da maioridade penal

Sempre que ocorre um crime chocante a direita e seus porta-vozes aproveita para bater na tecla da redução da idade da inimputabilidade penal. A menos, é claro, que a vítima desse crime seja pobre ou miserável.

É preciso deixar claro que informar fatos deixou de ser a essência da imprensa a muito tempo - se é que um dia o foi. Todos os veículos de informação são empresas, e a função primordial das empresas - especialmente as de capital aberto - é o lucro.

O que realmente interessa aos donos desses veículos é que eles vendam, e vendam bem. E pra vender eles precisam agradar a quem compra. E aqui entra um ditado popular: é impossível agradar gregos e troianos.

Ou seja, cada veículo de informação procura agradar a uma parte da sociedade que tenha condições de comprar jornais diariamente. E para agradar é necessário entender o que eles querem ler, e imprimir exatamente isso. É preciso pensar como esse grupo, defendê-lo, adotar as posições mais comuns entre eles e conquistar-lhes a confiança.

E, ao mesmo tempo, reforçar essas idéias, simplificá-las para encontrar-lhes o ponto comum, adotá-las, defendê-las e expandí-las. Usá-las nas entrelinhas. É preciso criar um pensamento único - a tal "formação de opinião" - centrado nesses conceitos pré-existentes. Explorá-los, reforçá-los e, finalmente, manipulá-los.

É bastante simples e mesmo bastante óbvio. Quem trata mal o comprador não vende, assim como quem não tem o que o comprador quer comprar. E quem consegue simplesmente convencer o comprador de que ele precisa de algo supérfluo vende ainda mais.

E o que os consumidores dos jornais querem ler e o que conquista sua confiança? A resposta é simples: tomar partido deles, reportar aquilo que os afeta, elogiá-los e culpar todos que não pertencem ao grupo.

Assim, temos a diferença de tratamento, por exemplo, em relação aos crimes quando são cometidos por ou cujas vítimas são pobres ou ricos.

Quando um crime é cometido por um pobre, ele é imediatamente considerado culpado e desumanizado. Por exemplo: o caso da "monstra da mamadeira". Mas se o crime é cometido por um rico, eles não são tratados como culpados nem depois de condenados, e são tratados como indivíduos, quase com respeito, como no caso Richtoffen (seja lá como é escrito).

Se a vítima é pobre, o caso, quando noticiado, é como estatística, ou como algo que choca. Mas quando é um rico, é um "problema de verdade", que causa indignação.

Se uma criança pobre morre por fome, ou por uma doença que poderia ser curada caso fosse de uma família rica, ou mesmo devido à violência, não ocorre uma indignação que chegue aos pés da que ocorre quando uma criança de uma família de classe média ou alta morre devido à mesma violência.

Não que a violência não deva provocar indignação, muito pelo contrário. A questão é que se essa indignação fosse de verdade, não ocorreria tão seletivamente. Estaria exposta diariamente nos jornais, uma vez que esses são acontecimentos diários. Mas quando a violência atinge os ricos, é vista como uma ameaça. Enquanto está restrita aos pobres, é ignorada.

Mas isso não interessa a quem compra jornal. É algo com que eles são quase insensíveis, que não os afeta muito. É parte da condição de pobre. Vem com o pacote.

Do contrário, seriam forçados a analisar as causas dessas tragédias. Seriam levados a concluir que a miséria e a fome são causas primárias da violencia e existem devido à concentração de renda, que existe porque o sistema os privilegia. Teriam que encarar a própria parcela de responsabilidade.

Mas não é assim que pensam. Pelo contrário, acreditam que pobre é pobre por querer. Ou por incompetência. Por inferioridade. E a imprensa reforça esse preconceito todos os dias, desumanizando, presumindo a culpa, afirmando que programas sociais são desperdício e o que é realmente prioritário é diminuir impostos sobre as empresas, aumentar-lhes o lucro, etc.

Está lá, todos os dias, a idéia de que a função do Estado é servir e proteger a quem tem, e deixar quem não tem à própria sorte, já que eles são pobres por culpa deles mesmos.

E é aí que a luta pela redução da maioridade penal entra. A violência é causada grandemente pela miséria e fome, e como só é miserável quem quer, segundo o pensamento único da imprensa, é justo apenas encarcerar os criminosos e proteger a sociedade, pois eles são criminosos por que querem. Quanto mais cedo, melhor. Quem não se comporta como deveria deve estar atrás das grades e ponto final.

O melhor exemplo dessa discriminação de classe perpetrada nos jornais é a forma como retratam quem é pobre, exibindo-os ou como demônios ou como santos. Pode reparar: sempre que apresentam o caso de alguém pobre de forma elogiosa é sempre no sentido de que ele é pobre, mas honesto. É a mesma forma como tratam políticos: quando querem elogiar dizem que "este é honesto", presumindo o preconceito generalizado que nenhum político é honesto.

Pobre honesto é apresentado como raridade, quase como uma curiosidade, tal como político honesto. E é elogiado por isso. Destacam essa característica e praticamente dão-lhe os parabéns por conseguir essa façanha. Ser pobre e honesto é difícil neste país - essa é a premissa, a unanimidade forjada pelo pensamento único, e o reforço do idéia preconceituosa que pobre é provavelmente bandido.

E quem já ouviu a expressão "rico mas honesto"? Ou "empresário de sucesso, mas honesto"? Ou já viu a honestidade de algum empresário ou rico ser destacada como uma curiosidade, como algo especial, incomum?

Garanto que não foi nos jornais que dependem da verba de propaganda desses empresários.

É claro que reduzir a idade da inimputabilidade não vai mudar nada. Se mudasse, não haveriam criminosos com 18 anos. Exceto que, em vez de levarem garotos de 16, 17 anos para cometerem crimes ou assumirem a autoria dos mesmos, levarão garotos de 14 e 15 anos.

A única função desse debate todo é retirar o foco da causa real, a miséria. É evitar que se fale dela, que se discuta suas causas e como fazer para corrigí-la. É assegurar aos "cidadãos de bem" (que é como os que pertencem aos grupos que compram jornais se chamam) que eles não têm culpa alguma, responsabilidade alguma e dar-lhes uma resposta inócua qualquer para a indignação que sentem. Dar-lhes um falso senso de segurança sem mudar nada que possa realmente resolver o problema de violência e tantos outros.

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